domingo, 28 de março de 2010

Toalha rendada



O sofrimento produz manifestações de amor. Mais do que a alegria. Não diminuindo o sorriso mas entendendo o porquê da lágrima.

Minha mãe está com problemas de saúde. Há seis dias.
Meu pai quer arrancar-lhe a dor com as mãos: culpa os médicos, vasculha novos endereços de consultórios no catálogo, conta os comprimidos da caixinha como se sua esperança fosse sendo descartada a cada cápsula .
Fica mal-humorado, mais do que ela, pela impotência de solucionar. Diz que a dor foi
causada pela cadeira que mal acomodou o nervo ciático, busca o motivo que os médicos não encontraram. Seu movimento de amor sempre foi pela providência. Ele não vai dar um conselho ou abraço. Ele vai providenciar o almoço, vai comprar três pomadas, ele vai trocar a poltrona do quarto.

Pensei no casamento. Uma toalha branca rendada. Tecida a mão, juntam-se circunferências num meticuloso bordado. Às vezes deixa-se de tecer por um tempo, por preguiça ou por cansaço, pela mesmice do trabalho, mas unindo-se desenhos e formatos, tece-se no decorrer de uma vida, um longo retrato. Pontos apertados e largos, movimentos lentos e rápidos, constantes e esporádicos...

Sei que por fim, a mesa posta, deve ser acolhedor dividir esta toalha, que ornamenta o alimento, servido para dois, agora, num tempo novo de vida antiga, de mesa grande e poucos pratos, de rugas, carinho e estrada.





arte: Marc Chagall

3 comentários:

Anônimo disse...

...aceitarmos a grandeza e enfrentarmos corajosamente a eternidade...(Rainer Maria Rilke)
Andréa.

Débora Tavares disse...

Sim, enfrentarmos a nossa eternidade...

Ana Claudia Vargas disse...

Falar da dor de maneira poética: só sendo "poeta" no sentido verdadeiro da palavra...

bjs
Ana